(Only in Portuguese)
Ao fazer compras online ou ao pôr um “like” no Facebook, expomos a nossa identidade e privacidade a uma reserva gigantesca de dados. Sim, há aí um enorme potencial para a humanidade. Mas há também uma série de ameaças para as quais temos de estar atentos. Quinto de uma série de dez textos sobre os riscos da “revolução digital”.
Authors: Cristina Ponte, Teresa Sofia Castro
O acesso aos écrans – quase sempre conectados – por parte dos mais pequenos começa cedo, dentro e fora do lar, na casa de familiares e de amigos, na escola. E a vida das crianças nesta era digital levanta uma série de dificuldades aos educadores. Uma das primeiras questões prende-se exactamente com o tempo que as crianças passam em frente aos écrans. Mas quanto tempo é demasiado tempo?
Em dois terços dos lares com crianças de três a oito anos, o acesso das crianças a meios digitais acontece todos os dias [1]. Os écrans digitais estão em todo o lado e têm tamanhos, acessos e possibilidades de consumo versáteis e convergentes.
Aquilo que se entendia por ver televisão no passado mudou com a entrada em cena do YouTube. Esta plataforma de vídeos é uma extensão da programação a que as crianças assistem no televisor e leva a outros conteúdos por sua exploração e iniciativa. Vídeos de música ou do ‘desembrulhar’, jogos, clássicos, séries de humor, vídeos de fantasia feitos por adultos (cosplay) ou desporto compõem a lista de preferências das crianças de três a oito anos.
Muitos destes conteúdos são descobertos seguindo algoritmos que “aprendem” as preferências das crianças e sugerem vídeos semelhantes, sendo óptimos para entreter as crianças. Mas quando os pais olham de relance para o ecrã podem ter um sobressalto. Foi o que aconteceu a uma mãe americana quando o seu filho de três anos se queixou dos monstros assustadores no YouTube Kids [2].
Versões deformadas dos populares desenhos animados “Patrulha Pata” gritavam num carro que chocava contra um poste e irrompia em chamas. Suicídios, possessões por demónios, violência contra crianças, são alguns dos exemplos de conteúdo potencialmente perturbador, em muitos casos desenhado especificamente para atingir os mais novos. Por outro lado, os padrões de recomendação são estudados pelos criadores de conteúdo para viciar os espectadores, chegando a ser apenas variações do mesmo tema, com filmes gerados por computador [3].
Quanto maior o tempo de ecrã mais dados são partilhados e mais crescem também os receios relacionados com o isolamento social, usos excessivos e desperdício. Contudo, também se identificam benefícios para o desenvolvimento das crianças, à volta do entretenimento e da educação. Nos encontros regulares que temos mantido com cerca de 40 famílias com crianças até oito anos, os pais valorizam a aquisição de vocabulário (incluindo termos em inglês), competências sociais, conhecimentos técnicos e informáticos, destreza fina.
Os écrans acompanham as rotinas da família: durante as refeições, como momento de descanso, depois dos trabalhos de casa e antes de dormir. São cada vez mais usados como moeda de troca, até para apoiar o desfralde. Fora de casa, servem para cobrir tempos de espera, mantendo a criança calma e distraída. Os acessos e usos são ajustados pelos pais tendo em conta as idades. Os pais apontam que o tempo que as crianças estão em frente dos monitores oscila entre 15 minutos (idade pré-escolar) e duas horas diárias (idade escolar), aumentando no fim-de-semana. Mas será que esta contabilidade considera o tempo em que as crianças conversam com os familiares por vídeo-chamada?
Na verdade, os encontros regulares com estas famílias sugerem que os écrans podem aproximar gerações. Por isso, mais do que contabilizar o tempo, devem ser considerados os conteúdos, as interações, em suma, a qualidade da utilização dos écrans feita pelas crianças no seu dia a dia.
Mas se até certa idade as crianças gostam de estar junto dos pais, permitindo um controlo próximo sobre o que fazem e o que vêem, com o aumento da idade aumenta a procura de privacidade para interagir com os pares, através dos écrans, crescendo os obstáculos à supervisão, mesmo quando se está em família.
E a utilização não supervisionada comporta riscos, como o referido acima de conteúdos inapropriados, e de vulnerabilidade a abusos e bullying. Recentemente, dados publicados no Reino Unido davam conta de um aumento substancial do número de jovens entre os 12 e os 15 anos que diziam ter sofrido bullying online [4]. O número é relativamente baixo, mas junta-se a outras preocupações, como o número de jovens, particularmente do sexo feminino, mas não só, que sofreram algum tipo de abuso ou assédio online [5], e que convida a alguma cautela na forma como deixamos as crianças e adolescentes à solta no mundo virtual.
Sharenting e seus impactos
Para além disso, as crianças estão cada vez mais presentes online sem o saber ou sem o seu consentimento e os pais até podem ser responsáveis por um aumento da exposição. Se dantes mostrava aos amigos duas ou três fotografias guardadas na carteira, hoje certamente pega no seu telemóvel onde tem armazenadas centenas delas e percorre velozmente com o dedo até encontrar a que procura. E, como apontam estudos, o significado das fotografias está a mudar.
Muitas fotografias são captadas para um dado momento de conexão, não para passarem de geração em geração. O seu uso efémero contrasta com a possibilidade de permanência trazida pelo digital, mas talvez a maior mudança decorra da pressão para a partilha, como se quem não (se) mostre na rede não tenha existência. O termo sharenting – que dá conta do abuso da partilha (share) de comentários ou imagens dos filhos nas práticas dos pais (parenting) – regista já perto de 250 mil entradas.
No recente questionário EU Kids Online feito em Portugal, 28% das crianças e jovens (9-17 anos) assinalaram que os pais tinham publicado coisas sobre eles sem lhes perguntarem antes se eles concordavam. Metade desses entrevistados tinha pedido aos pais para retirarem esses conteúdos da internet e cerca de um quarto tinha recebido comentários negativos ou ofensivos por causa do que os pais tinham publicado. Não é apenas uma questão que diga respeito aos pais.
Com a atenção a este tema e também aos direitos de privacidade da criança, cada vez são mais os pais que se interrogam sobre o que partilhar e como. No livro Digital Parenting [6], a investigadora suiça Ulla Autenrieth assinala os receios que escutou por parte dos pais ao longo da pesquisa de anos que tem vindo a realizar. São receios que decorrem da dificuldade em saberem quem vê do outro lado aquilo que colocam em redes sociais como o Instagram ou o Facebook, de usos para fins comerciais e de estarem eles mesmos a traçar a pegada digital dos filhos que alimentará os big data do presente e do futuro.
A preocupação com a colocação de imagens que incomodem (ou venham a incomodar) os filhos pode ter várias respostas, desde cobrir os olhos e parte do rosto até partilhar apenas imagens que não permitam a identificação, como grandes planos de partes do corpo (como as mãos).
São, portanto, vários os riscos da presença online de crianças e jovens e cabe aos educadores uma supervisão responsável e presente, que minimize os possíveis impactos negativos. Seguem-se algumas pistas para ação:
– Os comportamentos e interações com os écrans por parte dos pais modelam (positiva ou negativamente) os hábitos das crianças.
– Encorajar as crianças a refletirem sobre os usos que fazem (tempo, conteúdos, interações).
– Avaliar os conteúdos a que a criança acede e as interações que daí resultam, a qualidade do seu tempo de écran.
– Estar atento a sinais que possam indiciar na criança desequilíbrios ao nível do sono, bem-estar físico e emocional, vida social e escolar e ajustar a intervenção.
[1] Estudo Crescendo entre Ecrãs. Usos de meios eletrónicos por crianças (3-8 anos), coordenado por Cristina Ponte. Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), 2016
[2] https://www.nytimes.com/2017/11/04/business/media/youtube-kids-paw-patrol.html
[5] https://www.theguardian.com/uk-news/2017/aug/14/half-uk-girls-bullied-social-media-survey
[6] Digital Parenting. The Challenges for Families in the Digital Age, editado por Giovanna Mascheroni, Cristina Ponte e Ana Jorge (NORDICOM, 2018), versão disponível online
Original article here.
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10 months and 10 articles
Over the next few months we will describe and discuss some of the possible darker side of this revolution. We will begin by explaining the so-called recommendation systems (or what supermarket points are for) and then discuss how current legislation (does not) protect us. In the weeks that follow, we will see if we should cover our phone’s camera, how to deal with health data, and how to identify fake news. We will offer information and practical tips, while also addressing issues of principle and ethical values. The goal is to help us think about the world not as it exists today, but as we would like it to be. Because the future is decided now.