Na campanha que precedeu o Brexit em 2016, a seguinte frase foi colocada na lateral de um autocarro:
“Enviamos EU £350 milhões por semana para a UE. Vamos, em vez disso, financiar o nosso serviço nacional de saúde.”
Esta alegação foi refutada pela autoridade estatística do Reino Unido, mas uma sondagem conduzida dois anos depois encontrou que cerca de 67% das pessoas que votaram no referendo ouviram esta alegação e, de entre estas, 42% acreditavam ainda que a frase era verdadeira.
O uso político de informação enganadora ou mesmo falsa não é algo novo, mas a preocupação principal, agora como no passado, é que estas alegações falsas possam influenciar as escolhas das pessoas e fazê-las agir de formas que vão contra os seus próprios interesses. Continuando no exemplo do Brexit, onde o “Sair” ganhou por apenas 1,8%, não é impossível que a alegação enganadora possa ter feito a diferença, mas é igualmente possível que não o tenha feito. De facto, existem variadas hipóteses alternativas: talvez o impacto teria sido o mesmo se tivessem utilizado a estimativa oficial de £136 milhões; talvez nenhuma destas frases tivesse feito qualquer diferença; talvez as pessoas que acreditaram na alegação falsa foram as pessoas que iriam votar “Sair” de qualquer forma, por outras razões. Este tipo de limitação é frequente quando olhamos para casos históricos particulares, mas o que, então, nos mostram os estudos científicos sobre o porquê de as pessoas acreditarem em informação falsa? A investigação tem-se focado em três principais fatores individuais: a falta de conhecimento, a falta de reflexão cognitiva e a motivação.
A falta de conhecimento é um primeiro suspeito intuitivo para a questão da crença e partilha de informação falsa. Por exemplo, para alguém com formação nas ciências da saúde que compreende os princípios da homeopatia, a alegação de que a homeopatia pode ser um substituto eficaz à oxigenoterapia, em casos severos de COVID-19, é facilmente considerada falsa. Mas, para aqueles que não sabem muito sobre a COVID-19 ou a homeopatia, há uma porta aberta para a falsidade e a fraude. A maioria dos estudos experimentais que têm explorado a relação entre conhecimento e crença em informação falsa têm utilizado principalmente intervenções curtas e simples como apresentar artigos de fact-checking (verificação de factos). Estes estudos mostram, por exemplo, que os artigos de fact-checking produzem uma redução pequena mas significativa na crença de informação política falsa, ainda que o conhecimento, crenças e ideologia prévios das pessoas atenuem este efeito. Portanto, é importante continuar a verificar as alegações e partilhar informação, particularmente em questões importantes, como na política ou na saúde.
Um segundo fator na crença em informação falsa tem a ver com a falta de reflexão cognitiva. Se alguém lhe disser: “Paguei 1100€ por um computador e uma cadeira. O computador custou 1000€ mais do que a cadeira, portanto a cadeira custou-me 100€” talvez, a princípio, não encontre nada de errado com esta afirmação. Mas se pensar um bocado, vai provavelmente aperceber-se de que a pessoa está errada e o verdadeiro custo da cadeira é 50€. Para responder a este problema corretamente, as pessoas tipicamente precisam de refletir sobre o problema e os estudos têm encontrado que este tipo de reflexão cognitiva é importante quando lidamos com informação falsa. Estes estudos, de um grupo pequeno de investigadores, sugerem que as pessoas com maior tendência para refletir podem ser melhores a distinguir notícias falsas de notícias verdadeiras e tendem a partilhar notícias de fontes de melhor qualidade no Twitter. Mas mesmo as pessoas que seguem páginas da internet que tipicamente produzem notícias falsas podem melhorar a qualidade do conteúdo que partilham se lhes for pedido que reflitam sobre o rigor da informação com que se deparam. É, assim, importante encontrar maneiras de estimular este tipo de reflexão.
O terceiro fator que parece influenciar a crença na informação falsa é a motivação. Apesar do que possamos querer acreditar sobre nós próprios, não estamos sempre motivados para identificar a verdade. Às vezes queremos chegar a uma conclusão que é favorável para nós, para os grupos aos quais pertencemos ou para as ideias que mais gostamos. A investigação é pouca em termos de estudos experimentais que mostrem como tipos diferentes de motivação influenciam a crença em notícias falsas, mas os estudos correlacionais existentes mostram que é mais provável que as pessoas acreditem em notícias falsas que são favoráveis ao partido político com o qual se identificam. Como a ideologia também parece ter um impacto na eficácia dos artigos de fact-checking, a motivação parece não só ter um impacto nas crenças em notícias falsas, mas também na sua manutenção. Ainda assim, é possível argumentar que não é a ideologia que leva as pessoas a ter crenças diferentes sobre o mundo, mas sim que diferentes crenças sobre o mundo levam a diferentes ideologias (ou ambas). É necessária mais investigação sobre este assunto. De qualquer forma, da próxima vez que se encontrar numa discussão nas redes sociais, não custa repor o seu foco na verdade perguntando a si próprio/a: “Se estivesse errado/a, como seria possível sabê-lo?” Isto é especialmente importante quando estamos a partilhar informação com a qual concordamos.
Outro elemento que pode ter um papel neste processo é o excesso de confiança: pessoas que têm uma visão muito positiva sobre si próprios talvez tenham menor inclinação para admitir ignorância e duvidar dos seus instintos e motivações. Este é o tópico principal do meu projeto de investigação e espero poder escrever mais sobre ele em breve.
É também importante notar que esta discussão, focada principalmente nas características das pessoas, ignora em grande parte aspetos das várias redes sociais que talvez aumentem a propagação e impacto da crença nas notícias falsas. Por exemplo, é muito fácil encontrar informação online, o que poderá levar as pessoas a ter perceções mal calibradas do seu conhecimento. Adicionalmente, as plataformas têm certas características, que resultam da forma como são desenhadas, que podem reduzir a reflexão cognitiva ou que podem oferecer mais notícias falsas a pessoas que não procuraram por elas mas que têm interesses ou características demográficas em comum com pessoas que procuram esse tipo de conteúdo. Para além disso, as informações online são muito públicas e isso levanta questões importantes no que toca à motivação, dado que é sabido que a motivação para pertencer a um grupo influencia comportamentos, tanto offline como online.
Certamente, reduzir a crença em informação falsa requer uma abordagem multifacetada que lida com as plataformas e as pessoas que produzem e consumem este tipo de informação. A nossa responsabilidade, enquanto cidadãos, é reivindicar que plataformas e políticos lidem com o problema, enquanto damos o nosso melhor para escrutinar tanto os nossos “pontos cegos” como a informação que partilhamos e na qual acreditamos.